Ser-aqui parte I
Entrada
Desde que cheguei aqui, o pai de todos, que é a grande senhora, me deu boas-vindas. Deu-me o que beber, deu-me o que comer, onde dormir. A grande senhora, que é o pai de todos me acolheu em si com generosidade e festa.
Sem sentido arrumado, cheirei o som da terra, ouvi o gosto das águas e vi o barulho engraçado que as cores faziam. Sem sentido arrumado, mil olhos se abriram em minha pele e todos foram emudecidos pelo som da luz que há na grande mãe, que é o pai de todos. Amei tocar o amor desarrumado do qual nasce a filosofia.
Eṣu: O ser do lugar e do caminho:
Quando cheguei aqui, encontrei o caminho. Em verdade, me encontrei no caminho. Eu estava aqui quando cheguei. Ele também. Eu estava aqui, no caminho e não tinha para onde ir, apesar do caminho ter muitas direções. Tentei sair do caminho. Sair, no entanto, não é uma opção. Quando tento sair do caminho preciso do caminho para sair. O caminho era um só. É um só. Será sempre um só e sempre será aqui.

... um e o mesmo é o caminho que vai e que vem. A mesma coisa acontece com as portas. Uma e a mesma é a porta. Por onde se entra é, no mesma instante e com o mesmo ato, por onde se sai, me diz o caminho.
Apesar do caminho ser um, ele oferece muitas possibilidades. Nele, eu posso ir a qualquer lugar. Só não posso sair daqui. Estou sempre aqui... independente do lugar para onde vá.
Aqui é o lugar das contradições. É o lugar do erro e do acerto, apesar de que o erro pode ser acerto e o acerto pode ser erro. (O caminho me ensinou). Aqui também é o lugar da derrota e da vitória, do fracasso e do sucesso, sendo todas, apenas, circunstâncias resultantes da mesma ação e nenhuma delas é boa em si-mesma. Isso também aprendi com o caminho que anda dando voltas, estando sempre aqui.
... Ele me ensinou que aqui é o único lugar em que posso existir e ser feliz ou sofrer... onde posso, na verdade, existir feliz e sofrer.
Quando cheguei aqui muita gente já estava por aí. Todos seguindo seus caminhos... seguindo nos seus caminhos. Percebo que tudo tem o seu caminho próprio. Se bem que a lua me segue, de sol a sol. Parece, quando ela aparece, que temos o mesmo caminho. Eu, no meu caso, não saio daqui. Mesmo assim, percebo que preciso seguir o caminho. Ele já foi na frente, apesar de vê-lo sempre que olho para trás. Em verdade, ele é antes de mim e eu preciso ser... Ou ir para ser? ... não sei agora se há diferença. O que sei é o que sinto e não sinto nada parado. Mesmo o caminho que é sempre o mesmo e não sai do lugar, e eu, que não saio daqui, estamos em movimento.
Assim, sem sentido arrumado, caminho sobre as águas, nado nos ventos e mergulho na terra, mas não saio daqui. Aqui é o meu lugar. Nunca, ninguém esteve aqui. As pessoas que encontro pelo caminho estão por aí, nunca aqui. Aqui, somente eu. Aqui é o meu lugar. O lugar onde sou ou para onde devo ir.

Eu amo a terra, os ventos, as águas e o pai de todos, que é a grande senhora, me ama. Fizemos amor no primeiro dia e foi bom. Fizemos amor no segundo e no terceiro e foi muito bom. Houve fogo, calor e luz no primeiro, no segundo e também no terceiro dia. Desde então, fazemos amor, todos os dias e todos os dias há luz, fogo, calor e filosofia, frutos desse nosso amor.
... porque quando cheguei aqui, o pai de todos, que é a grande senhora, me amou e disse:
Seja !!!
Epílogo
Desde então
Sou soma
Ara
Orí
Aráyé
Ser animado
Animal que sente
E ama
Pensa, sente
E ama
Que pensa o que sente
E sente pulsar em-si
A necessidade de ser-aqui
E ama.
Continua ...
Olùkọ́ Bàbá Ọ̀nà