Per-curso Orí
Atualizado: 13 de abr. de 2021
Resumo das principais idéias no per-curso Orí
P. De onde você fala ?
R: Daqui
P. E aonde é esse “daqui” ?
R: Daqui da encruzilhada
P. O que é ou quem é Orí?
Algumas respostas que encontramos no caminho:
1 - Orí é a nossa alma.
R: No sentido secular do termo, "alma" deriva da palavra latina "ânima" que significa "o que anima". Alma é o que dá vida a um corpo. Assim entendida, o que se entende por alma no ocidente está mais próximo das palavras yorùbá "Èémí" (respiração, fôlego) ou Ẹ̀mí (vida, representada pela respiração). Inclusive é a respiração (Èémí/Ẹ̀mí) que distingue um Aráyé, ser vivo, habitante da Terra (ilé ayé) de um Aráọ̀run, um ser existente no ọ̀run.

Mesmo se pensarmos a partir da bíblia não há diferença. No Velho Testamento, as palavras que são traduzidas como "alma" (nephesh, por exemplo) transmitem a ideia em hebraico de ser vivo, de criatura na qual existe vida. Também no Novo Testamento, escrito em grego, os termos se referem à mesma ideia de algo que tem vida.
Logo, Orí não é, de modo algum, a nossa alma.
2 - Orí é um Anjo da guarda
R: A quem faça alusão a ideia de que Orí possa vir a ser a nossa "alma ancestral guardiã". Não quero comentar essa ideia. Apenas digo que Orí não nos guarda (nos orienta), Orí não é nosso ancestral (apesar de constituído, em parte, por eles) e como dito acima, Orí não é nossa alma. Devo acrescentar: Segundo o dicionário do Google, no cristianismo, no judaísmo e no islamismo, anjo é um ser puramente espiritual, servidor de Deus e mensageiro entre Ele e os homens.
Logo, Orí não é um anjo da guarda que nos foi dado por deus, como querem nos convencer, para nos proteger.
3 - Orí é Òrìṣà
R: Um dia desses ouvi dizer que alguém foi iniciado em Orí. Fiquei tão surpreso que tive a impressão de que eu não havia entendido. Pensei: Foi erro de digitação. A pessoa foi iniciada em Oro. Fui conferir e a iniciação foi mesmo em Orí. Bem, penso aqui: Se essa pessoa pode ser iniciada em Ori, então Orí, para quem iniciou essa pessoa, é um Òrìṣà. Sei que não devemos nos meter nos assuntos da casa alheia, mas esse assunto extrapola a máxima: "minha casa, meus fundamentos". Vou tomar com referência para falar, o fato que os termos usados terem sido de origem yorùbá. Então se falamos de iniciação em Orí, estamos falando das tradições yorùbá no continente africano ou mesmo aqui em diáspora. Segundo a tradição, ou melhor, segundo as tradições vivas em terra yorùbá e aqui na diáspora, Orí é cultuado, propiciado, reverenciado, se faz oração para Orí, mas, (preciso dizer) Orí não é Òrìṣà. Existem até alguns grupos (poucos em terra yorùbá) que fazem uma espécie de assentamento (igba orí), mas isso não significa que Orí seja Òrìṣà, nem lá, nem aqui. Não existe uma família yoruba que tenha Orí como ancestral ou divindade familiar, como existem para todos os Òrìṣà.
Então, resumindo/concluindo: Orí não é Òrìṣà nas tradições yorùbá; não é para aqueles que trouxeram essas tradições para diáspora; Não é para seus herdeiros que durante os últimos três séculos mantiveram o candomblé vivo. Por fim, com absoluta certeza, também não é para mim.
4 - Orí é uma centelha divina
R: Um autor bastante conhecido das pessoas que pesquisam sobre as tradições yorùbá é Boladí Idowu. Um cristão metodista de origem yorùbá que escreveu sobre Olódùmarè como sendo o "Deus" da crença yorùbá. Dentre as inúmeras teses que ele levantou em seu livro, a que fez com que Orí se tornasse um "centelha de olódùmarè (divina, em seus termos), nos conduz a deixar de lado o culto a Òrìṣà e cultuar Orí.
Olóyo que nega seu próprio Orí e faz uma oferenda ao àdó (igba/assentamento)
Contudo, é Orí que sustenta alguém, o àdó não sustenta;
Em vez disso, é Orí que deve ser elogiado e não Òrìşà. (Idowu pag 203)
Acontece que para cultuar Orí precisamos buscar Olódùmaré, pois sem ele o ser humano não pode viver. Logo, devemos largar nossas crenças familiares e tradicionais e todos, SEM EXCEÇÃO, DEVEMOS adorar somente Olódùmarè.
Assim, se aceito que Orí é uma centelha divina como quer Idowu tenho que necessariamente deixar Òrìṣà e cultuar Orí levando-o cada vez mais próximo de sua fonte de vida que, segundo ele, é Deus ou Olódùmarè. (Aqui importante repetir, PARA ELE Deus e Olódùmarè são a mesma pessoa.
A conclusão: Não encontro base nas tradições ancestrais para aceitar que Olódùmarè é o Deus da Bíblia, nem que ele é a fonte da vida humana na perspectiva yorùbá.
Rejeitadas as teses anteriores a pergunta inicial permanece sem resposta:
Afinal o que é ou quem é Orí?
R: Concluimos que Orí é a nossa origem / essência / substância. Fruto, em parte da encruzilhada de ìyá pèlú babá wa, acrescido pelo nosso ipinnu, o acordo que fizemos e que nos constitui como seres únicos.
P. É um fato de que não existe nada que O Orí de uma pessoa não possa fazer por ela?
R: Não e sim. Não porque Orí não é todo poderoso no sentido poder fazer qualquer coisa.
Sim, porque, se considerarmos o propósito que nos constitui, Orí tem todos os recursos para realizá-lo. Assim não há nada que o Orí de uma pessoa não possa fazer por ela no sentido da realização de seu propósito.
P. Orí é mais importante que o Òrìṣà?
R: A uma crença (não sei se a culpa é de Idowu ou se de tradições universalistas que pregam uma verdade única) de que Orí é mais importante que Òrìṣà. Dizem que se Orí disser não nenhum Òrìṣà tem o poder dizer sim a uma petição feita pela pessoa.
Kò sóòṣà tíí dá nií gbè
Lẹ́yin orí ẹni
Nenhum Òrìṣà abençoa alguém
Sem o consentimento de seu Orí
Ora, se levarmos em consideração essas palavras, Orí poderia até ser considerado o Ser supremo e Todo poderoso para pessoa que o carrega, pois, como está dito, é mais importante do que qualquer Òrìṣà e, poderia ser considerado mais poderoso até do que Olódùmarè, uma vez que “o que Orí não aprova, não pode ser dado para nenhuma pessoa, nem pelos Òrìṣà, nem pelo próprio Olódùmarè” (Abimbola, 1971).
Rejeitando essas ideias, ou melhor essa linha de interpretação e seguindo por outro caminho, chegamos a um outro entendimento sobre essa questão. Não se trata de importância e sim de função. Ori é a nossa essência, nosso fundamento, nossa substância, nossa origem. Sua função é a auto-realização. Nenhum outro ser no mundo ou fora dele tem essa incumbência, ou pode realizá-la no lugar de Orí. Só Orí pode realizá-la. É um fato que só ele pode, mas jamais conseguirá sozinho. São necessários recursos externos para consecução da mesma. Recursos do àiyé e do ọ̀run e isso inclui os Òrìṣà, os ancestrais, a nossa comunidade aqui e lá (Ẹgbẹ́ ọ̀run ati Ẹgbẹ́ àiyé), recursos ambientais/sociais e além, é claro, de nossos recursos intelectuais, emocionais e físicos.
Desta forma, fica bem claro que Orí não é auto-suficiente, não é todo poderoso e por certo, não é mais importante que Òrìṣà. É muito importante, sem dúvidas, para a pessoa que é constituída por ele.
Nota: A quem trate Orí como feminino (a Orí). Não vejo problema, mas quero lembrar que, de fato, Orí não tem gênero. A forma masculina usada comumente é em razão de nossa língua (português) ter o masculino como referência ( um outro jeito de dizer polidamente que nossa língua é machista). Diga-se de passagem, as palavras yorùbá não tem gênero, nem tem plural e seus verbos não declinam, mas esse é assunto para o outro per-curso: Yorùbá cultura e língua que ofereço regularmente.
Olùkọ́ Bàbá Ò̩nà
13/04/2021